quinta-feira, 23 de maio de 2013

A história de Duda

Uma propaganda de farmácia me inspirou hoje.  É a História de Sofia, da Drogaria Panvel. Me remeteu a  uma amizade desfeita que me custou a separação de uma cachorrinha que eu muito amava.  É mais ou menos assim:  


Essa história me lembrou uma amiga que tive. Era uma amiga muito exigente.  Ligava tarde da noite, mandava mensagem as sete da manhã.  Nunca tinha um bom dia no texto.  As ligações eram sempre para discutir problemas ou reclamar de algo.  Ela jamais me telefonou para saber se eu ia bem.  Jamais conversou comigo sobre essas besteiras que amigas falam.  Ela não sabe meu livro preferido nem qual o tipo de condicionador que eu uso.  Mesmo assim, eu adorava ela.  Não sei pq, mas adorava do fundo do coração, considerava uma irmã.

Um dia, numa crise de coluna, precisei da ajuda dela desesperadamente.  Liguei. Deu aquele sinal de quando a pessoa desliga o telefone. Mandei mensagem. A operadora retornou dizendo que a mensagem tinha sido recebida. Mas ela não me ligou de volta.  Uma desconhecida me acudiu.  Estava passando a porta da minha casa, não sabia quem eu era. Mas me ajudou.  O médico me mandou cortar as amizades, pq coração partido também dá dor na coluna. E não é só homem que parte o coração da gente.  Ele me disse: "esse tipo de amigo anda vai te deixar na cadeira de rodas". Meu tratamento incluiu cortar a vida social, atender menos o telefone, passar mais tempo descansando.  Os jantares, que eu amava fazer, foram proibidos. Sobrecarregam a coluna.  Os amigos, é claro, sumiram. Essa amiga, em especial, e mais uma outra, pararam de nos chamar para sair.  Jantares, festas, cinemas, viagens, fomos excluídos de tudo.  Quer dizer, nem tudo.  Ainda havia as ligações e mensagens utilitárias.  Se precisasse de algo lembrava do número do meu telefone.

 Meu médico, ao saber dos desdobramentos do caso, sorriu, vitorioso. "Amigo de manquitola", ele disse, brincando, "é coisa rara. Mas pode contar que quem estiver do seu lado agora, vai estar pela vida toda".  O mundo continuou girando.   Voltei a andar em cima das duas pernas, parei de mancar e as dores diminuíram.  Só sobrevivi ao período crítico porque dezenas de pessoas me ampararam no sentido mais literal do termo.   Tive que ser carregada, apoiada, empurrada... Me ajudaram até mesmo a carregar uma cadeira que preciso levar para todos os lados, pq não dou conta de sentar em outro tipo de cadeira. 

Aquela ferida fechou. Cicatrizou até bem demais.   Aquele episódio estava encerrado na minha vida.  Logo chegou o dia em que a saúde me permitiu caminhar um pouco.  E então, veio o choque.  Passei pela porta da casa da agora ex-amiga e a cachorra latiu ao ouvir minha voz.  Aquele latido doeu mais do que todas as decepções que passei.  Eu amava extremamente aquela cachorrinha.  Elaborei a perda da amiga, estava tudo bem.  Mas tinha esquecido da minha companheira peluda, que tantas vezes pulou no meu colo feito uma criança, não sabendo por onde extravasar a felicidade em me encontrar. 

Será que a cachorra não tinha me esquecido?  Tentei me convencer de que havia sido uma coincidência.  Na noite seguinte, passei pela porta e, novamente, veio o latido.  Chorei muito.  Mas trabalho com ciência e, apesar de não ser cartesiana, tenho que dar satisfações a mim mesma pois me acostumei a ser incrédula. Esperei alguns dias e passei de novo. Os latidos se repetiram. 

Meu marido me olhou e disse apenas: “eu entendo sua relação com os animais”.  Acho que naquele momento, ele compreendeu totalmente o tipo de amizade que um bicho nos proporciona.  A cachorra tinha amor por mim. Um amor que as pessoas nunca tiveram. A verdadeira amizade estava perto do chão, sobre quatro patas e com uns olhos pretos enormes.  Não tem a ver com dinheiro, com posses, com serviços prestados... Não tem a ver com afinidades, com gostos, muito menos com histórico de vida.  É uma troca completamente diferente, que as palavras não alcançam.  Essa troca acontece entre pessoas, mas é muito mais frequente quando nos relacionamos com animais.   Que outra criatura é capaz de morrer de alegria por te reencontrar depois de vc ter ido lá fora jogar o lixo – durante o impressionante intervalo de 28 segundos? 

Parei de passar naquela rua específica.   Me dei conta de que havia perdido definitivamente uma grande amizade. Do outro lado da porta, havia alguém que me amava, que queria estar ao meu lado, que se alegrava só de ouvir minha voz.  Se eu tivesse imaginado que a cachorrinha sentiria saudades, teria engolido uns sapos, teria feito mais serviços de office girl, teria cedido meu ouvido mil vezes mais... Pois eu ainda a amo da mesma maneira.   Mas na minha miopia, achei que de todos os envolvidos, a cachorra seria a última a sofrer com a minha ausência.  E, provavelmente, ela foi a única que realmente sentiu a minha falta.

Um comentário:

  1. Lindas histórias Eveline, a sua e a da Pavanel, a vontade é de correr pra casa e abraçar a s minhas felpudas.

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