Recentemente, num curso com a escritora Noemi Jaffe, ganhei um presente: um personagem. Alexandre Pequeno, criação do Edérson Fernandes de Souza. Alexandre Pequeno não é um adolescente qualquer. Ele foi criado pela avó, é bipolar, sonha em ser traficante e, para completar, seu grande sonho é ir para o motel com cinco gatinhas. Minha missão era criar um conto com ele.
Como eu sou a prova viva de que um amigo animal pode nos ajudar a enfrentar qualquer dificuldade da vida, a história ficou assim:
- Alexandre? Alexandre, olha para a minha cara. Eu não vou falar de novo. Olha aqui, olha bem
no meu olho.
- Ai, Vó, pelo amor de Deus! Você acha que é fácil?
- Não grita comigo, que não foi essa educação que eu te dei!
Quem grita aqui sou eu! Eu que sustento essa casa. Quem grita aqui sou eu! Olha
para mim, que eu vou falar. Eu não quero mais que você diga essas coisas para
os seus amigos! Qualquer dia, a polícia
vai bater aqui!
- A senhora acha que é fácil? Acha que é fácil se chamar
Alexandre Pequeno Júnior? Como a senhora
acha que eu vou sobreviver na escola?
- Olha, moleque, eu não sei como você vai sobreviver, mas
não vai ser dizendo para os outros que você é irmão do Zé Pequeno, da Cidade de
Deus, que você vai resolver isso! Os vizinhos estão falando que eu escondo
drogas em casa!
- Só por Deus! Eu preciso de respeito, Vó, eu não aguento
mais ser humilhado. A senhora ainda foi dizer para a vizinha que eu nasci na
Argentina. Um negócio que aconteceu por acidente! Puta merda!
- Bate na boca! Bate na boca agora, eu tô mandando!
- Tá bom, Vó! Fala baixo, já bati!
- Olha, Alexandre, estamos entendidos? Eu não tenho culpa do que aconteceu quando
você nasceu. Eu faço a minha parte! Chega dessa história de querer ser
traficante, chega dessas invenções de Zé Pequeno!
- Mas minha mãe era traficante! Ela entrou em trabalho de parto cruzando a
fronteira com maconha!
- Alexandre, olha para mim, me escuta: sua mãe era
muambeira. Ela foi para Foz do Iguaçu comprar perfume, batom
24 horas, raquito de sol e tesourinha dobrável!
Ela nunca foi traficante. E ela
estava morando na Argentina por causa do seu pai. Você tem que aceitar que você é filho de um
garçom argentino com uma muambeira brasileira.
- Fala agora, vó, que minha mãe me largou aqui e sumiu no
mundo! Essa infeliz! Nem para me arrumar um pai chamado Alexandre Grande, tinha
que ser um Alexandre Pequeno?
- Você quer que eu te
console? Porque tem um consolo nisso
tudo, Alexandre.
- Tem, Vó? A senhora acha que tem algum consolo? Se a
senhora nem me deixa tentar defender a minha honra.
- Pelo menos ela te largou aqui enquanto você ainda era
bebê. Seria muito pior se ela tivesse esperado mais, porque daí, além de ser
pequeno você ainda ia ter sotaque argentino.
Aí você ia ver que que é viver no
inferno! Eu faço tudo que posso para te
ver feliz.
- Eu sei, eu sei. Eu
tenho que parar com essa mania de contrariar a senhora.
- Alexandre, meu filho, a culpa não é sua. Isso não é mania.
Você é bipolar. Se você não tomar os
remédios. Nossa vida vai ser sempre
assim. Você tem que tomar os remédios e
se conformar.
- Ela podia ter colocado pelo menos o sobrenome da senhora
também, né? Assim eu teria outro sobrenome para falar para os outros. Se eu fosse Alexandre Pinto Peq... Ah, deixa
essa porcaria para lá. Eu vou para o
quarto. Eu tô de castigo, não tô?
- Tá. Toda vez que
você falar para alguém essa idiotice de Zé Pequeno, vai ficar de castigo, mesmo
sendo um burro velho de 15 anos. Comigo é assim, é no castigo.
- Com essa vida que eu tenho é melhor mesmo ficar no quarto
com elas...
- Isso, vai ficar com elas.
Alexandre entrou no quarto e se jogou na cama. Queria muito
chorar. Mas sabia que traficante não
pode ser bundão. Essa coisa de chorar
não pega bem. As cinco gatinhas foram se
aproximando dele, tomando conta do colchão de solteiro, já coalhado dos pelos brancos que elas viviam
soltando. Mimi, Ninoca, Dora, Docinho e
Shee-ta-ra. A vida era ruim, mas desde
que pegou as cinco num caixa de papelão jogada na porta escola, pelo menos já
não era tudo tão solitário. Quando fosse
um traficante bem sucedido, iria sair dali e realizar seu grande sonho: morar num quarto de motel com as cinco
gatinhas, no melhor quarto, com a cama mais espaçosa e macia, para que nunca
mais todos precisassem se espremer daquele jeito enquanto ficavam juntos.